“Solidariedade é ajudar os outros”
Você acredita mesmo nisso?
Amor - Parte 4
O oposto do amor não é o ódio; é a indiferença. O ódio é uma sensação confusa de amor e raiva - a pessoa odiada é uma referência muito importante.
O oposto de egoísmo não é amor; é a generosidade.
Generosidade é considerar os interesses do outro mesmo que não compartilhemos de forma alguma deles. Ser generoso é dar a quem não amamos. Dar a quem ama é amor - mas mesmo o amor nem sempre faz o que é certo, justo ou bom.
Mas ter um bom coração não traz prosperidade (exceto se você for apresentadora de algum programa matinal).
Para a prosperidade de todos precisamos de muitos egoístas.
Mas, não seja um ególatra. Uma pessoa individualista se preocupa bastante consigo mesma dificultando a convivência com outras pessoas e ficando sozinha.1 A falta de relacionamento social será bastante ruim para seu desenvolvimento emocional, profissional e econômico.
Portanto, precisamos reunir todos os egoístas para uma regulação inteligente e socialmente eficaz do egoísmo - é a famosa solidariedade.
O interesse nos reúne. Consideramos os interesses dos outros porque o compartilhamos de alguma forma.
Do nosso egoísmo nasceu a solidariedade.
A natureza humana para o bem de todos.
Trabalho para ganhar dinheiro, mas se fizer bem feito e todos gostarem do que faço ganharei mais.
Desejo que quem tem mais pague mais impostos porque ao nascer não poderia saber se teria ou não dinheiro naquele momento ou no futuro para saúde e educação.
Pago impostos porque quero justiça, segurança, seguro-desemprego.
Pago seguros privados para compartilhar meus riscos com todas as outras pessoas inseguras como eu.
A solidariedade é muito eficaz. Apenas numa sociedade de santos a generosidade deve funcionar. Haja hagiografia!
A solidariedade nos induz a compartilhar sentimentos e propriedades e viabiliza a civilização: comércio, leis e algo mais em comum.
A religião sempre foi o algo-mais-em-comum mais eficaz. Atualmente existem tantos credos e sincretismos que é cool soltar que “cada um tem a sua” - vale para aqueles que acreditam que as palavras não precisam fazer sentido (a maioria).
Também sempre funcionou a ideia de uma história em comum: de uma tribo, um povo, uma nação, uma “raça” ou qualquer outra mentira manipuladora, unificadora e exclusiva - vale para aqueles que acreditam que a história não precisa ser verdadeira (a maioria).
Não morremos mais por um ideal, pela revolução, pela pátria, por religião ou por Deus (exceto a minoria de fanáticos) – em ordem crescente e vertical.2
Arriscamos a vida e recorreríamos às armas por nossos filhos, amigos ou para resistir a ameaças totalitárias. Morreríamos por nós e pelos nossos. Isso é egoísmo? Pode ser, mas a solidariedade dos valores de liberdade e democracia pode ser o algo-mais-em-comum para colar a civilização - vale para aqueles que acreditam que nestes valores (a minoria, principalmente dos brasileiros).
“É, mas em sociedade nos relacionamos educadamente: dizer “obrigado” não deixa de ser um gesto de amor!” (Fazia tempo que eu não usava o truque do interlocutor-escada.)
Errado. “Muito obrigado” não tem nada a ver com amor ou generosidade. É polidez, é solidariedade, vou ser direto: é um pagamento.
Quando o entregador de pizza chega às 22h, na chuva, para me entregar uma pizza quentinha, eu lhe dou três reais e digo “muito obrigado”. O “muito obrigado” serve como complemento aos três reais porque sei que o trabalho dele valeu mais que isso. Se eu fosse rico daria 30 reais e não diria obrigado porque estaria esperando ele me dizer - humilhado e sorrindo - “muito obrigado”. Muitos ricos são assim porque acreditam que o preço para que digam “muito obrigado” - assim como “por favor”, “dá licença” - é muito alto. Talvez digam isso apenas aos seus advogados.
“Então estamos sempre fingindo ao nos relacionar com os outros?”
Sim. Só não fingimos no amor verdadeiro e na barbárie.3
O amor verdadeiro acontece, é natural. Não é possível amar por querer ou por obrigação.
A generosidade só é possível em nível individual e espontâneo.
A solidariedade é possível em nível individual e coletivo e mesmo de forma não espontânea.
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1. Estar só é diferente de solidão que é a sensação de vazio, estando casado ou com muitos amigos.
2. Luc Ferry.
3. Comte-Sponville.